A tensão como linguagem do espetáculo
O fascínio humano pelo risco não é novidade, mas na era digital, ele ganhou novos formatos, ritmos e linguagens. O perigo, hoje, é uma estética. Ele deixou de ser apenas uma circunstância a ser evitada e se transformou em elemento de atração — seja em vídeos curtos nas redes sociais, em reality shows extremos ou em experiências imersivas que desafiam os limites físicos e emocionais dos participantes.
A presença da tensão nos conteúdos midiáticos não é apenas um artifício dramático. Ela opera como catalisadora de atenção. O risco estimula a adrenalina, e com ela, o engajamento. Não é por acaso que as narrativas mais comentadas nas plataformas são aquelas que beiram o abismo — literal ou simbólico.
Entre o desconforto e o desejo
O desconforto provocado pelo risco é o que paradoxalmente mantém o público conectado. A imprevisibilidade dos eventos, a possibilidade da falha, o erro iminente: tudo isso nos aproxima da narrativa como espectadores atentos. Existe um prazer ambíguo em observar algo que pode sair do controle. É a mesma lógica que explica por que não conseguimos desviar os olhos de uma cena tensa, mesmo com a mão prestes a cobrir os olhos.
Essa relação ambivalente se aprofunda quando o risco é mediado por figuras carismáticas. Influenciadores que exploram desafios perigosos — desde escaladas sem equipamento até testes de resistência física — se transformam em heróis modernos. Eles personificam a coragem, mas também o limite. O que o público assiste não é apenas a ação, mas a possibilidade da transgressão.
O digital como parque de diversões do risco
A internet tornou o risco acessível. Não é mais necessário estar fisicamente em uma montanha-russa ou em um salto de paraquedas para experimentar o frio na barriga. Hoje, jogos, vídeos e experiências sensoriais em realidade aumentada simulam essa tensão com eficiência. O público quer sentir algo — e o perigo é um dos sentimentos mais fortes que a mídia pode produzir.
Neste contexto, surgem também produtos digitais como Mines, que reproduzem em formato lúdico a sensação de pisar em terreno instável. A mecânica de descoberta e perda, de estar sempre a um passo de um erro irreversível, sintetiza perfeitamente a estética do risco como entretenimento.
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Cultura do desafio e redes sociais
Redes como TikTok e YouTube aceleraram a naturalização do risco como prática de entretenimento. A viralização de conteúdos que envolvem desafios físicos, testes de limite e experimentos ousados revela que o risco não é apenas aceito, mas celebrado. Isso acontece especialmente entre os mais jovens, que veem nesses atos uma forma de afirmação identitária, autenticidade e conquista de atenção.
A cultura do “desafio” evoluiu: o que começou como brincadeira se transformou em moeda simbólica de status. Quem arrisca mais, muitas vezes, acumula mais visualizações, curtidas e seguidores. O algoritmo recompensa a ousadia — e isso retroalimenta o ciclo.
Moral, limites e teatralidade
Ainda que o risco entretenha, ele também carrega tensões éticas. Até onde vai o entretenimento? Em que ponto o risco deixa de ser espetáculo e passa a ser exposição desnecessária? A resposta não é simples, pois o próprio público muitas vezes consome com entusiasmo aquilo que, racionalmente, condena.
É nessa zona cinzenta que o risco se torna um recurso narrativo poderoso: ele opera no limiar entre o moralmente aceitável e o sensorialmente irresistível. A teatralização do perigo permite que ele seja domesticado, embalado em formatos seguros — vídeos curtos, filtros, mecanismos de controle — mas ainda assim preserve sua força primitiva.
Risco, masculinidade e performance
No universo masculino, a estética do risco também se confunde com expectativas de bravura, resistência e controle. Homens são, historicamente, mais expostos e incentivados a realizar ações perigosas como forma de afirmação. A cultura digital intensificou essa equação, oferecendo palcos permanentes para a performance do perigo.
Não é coincidência que a maioria dos conteúdos extremos seja protagonizada por homens. O risco ainda é, muitas vezes, interpretado como sinônimo de virilidade, coragem e domínio. Esse modelo, no entanto, começa a ser questionado, especialmente quando os efeitos colaterais — físicos, emocionais e sociais — se tornam visíveis.
O fascínio que nunca desaparece
O perigo continuará fascinando. Ele é instintivo, arquetípico e profundamente humano. Mais do que isso: ele se adapta. Do circo ao cinema, das redes sociais aos games, o risco se reinventa como linguagem. Sempre haverá algo de hipnótico em observar alguém desafiando os limites — não porque queremos que falhe, mas porque, no fundo, somos atraídos por tudo aquilo que nos lembra que estamos vivos.